Questões de tempo

 Veja só que coisa interessante. Se redescobri essa velha caixa de vergonhas (vergonhas bobas, quase todas inofensivas, algumas retificadas), em um movimento do acaso, motivado primeiro pela raiva e depois por uma viagem narcísica, agora me encontro no nirvana da comunhão com o outro. 

Depois de um pequena introspecção, me deparei com velhas amigas em suas velhas personas e, cara, que viagem... como éramos há 10 anos? E o que isso dizia, não só da gente, mas daquela época? Claro, tentei compartilhar isso com elas. Cada um tem sua caixa, né? Confesso ter curiosidade se isso terá ou não importância para elas.

Já parou pra pensar sobre aquilo que você gostava, ficou um tempo sem ver, e depois voltou a ver? Como se reconhece nesse encontro? Como transitava no seu tempo? Era transgressor daqueles valores? Era parte do coro hegemônico? Crítico ou influenciado, vetor dos preconceitos, ou um inconformado com eles?

Tem pautas que parecem não envelhecer, mas como a gente envelhece em torno delas?

Gosto de pensar que aprendi um pouco. A caixa de vergonhas ajuda a pensar que fiquei um tantinho melhor.

Alex Azevedo Dias disse...

Presença Esfumaçada por trás da claridade. escondida na visibilidade. A ausência delineada dos olhos, borrão sombrado, fazem-na não vista, mas captura com o olhar morto a totalidade da alma do espectador que, espantado, não vê. Boa que não fala, sua falta, mas sobre a qual suscita uma fala ininterrupta. Tem certeza que essa imagem nada tem a ver com seu sonho? Você quis transmitir a sensação. Ela está condensada no afeto sem saber - sem o saber que não sabe que sabe. O sonho é o seu relato. O sonho não acontece durante a sua elaboração primária, no processo onírico, mas sim ao longo da sua elaboração secundária - do relato. O sonho acontece no relato do domínio do Outro para um outro. Abraços!! 
Isso tem 10 anos.
O Alex, um amigo que se foi antes de se tornar o que deveria ser. Ainda que eu não saiba o que ele deveria ser! Mas ele se foi cedo demais e, essas palavras antigas, achadas quase ao acaso, mostram como ele faz falta hoje.
Um brinde, então, Alex. 

Carta para você

Eu não sei bem porque resolvi passar minha última hora de vida escrevendo isso. Bom, na verdade eu sei. A vantagem de lhe escrever uma carta que você jamais vai receber é que ela me permite um nível de franqueza que nunca pudemos ter um com o outro. É, certo, você não tinha muito problema com isso quando dizia que eu era egoísta.

Agora, parando para pensar, é até engraçado constatar que o mundo está literalmente acabando lá fora, enquanto aqui dentro do quarto é como se tudo estivesse a mesma coisa. Vai ver o mundo sempre esteve acabando e nós é que não percebíamos isso. Ou vai ver que o fim do mundo não é lá grande coisa assim. Mas, de verdade, eu não ligo muito para esse mundo mesmo. Não agora. Para não dizer que fugi da proposta de franqueza, essa história serviu pra uma coisa importante: pensar de novo em você. Tenho que admitir, eu estou realmente confuso quanto a isso. Essa coisa de repensar minhas atitudes não é algo que eu costume fazer. Sempre me achei um cara muito seguro. Obviamente você via isso como ignorância e, obviamente, não fazia questão de esconder sua opinião. Seja qual for o nome disso, sinto que estou diferente agora. Com toda essa cena desenhada, gostaria de dizer que é por pensar em você, mas, FRANCAMENTE, eu não tenho certeza. Talvez seja só o mundo acabando mesmo. Quem se importa?

Eu acho que queria dizer algo com isso, com essa carta. Coisas boas ou ruins, não importa. Coisas significativas apenas. Mas eu simplesmente não consigo. Só me ocorrem trivialidades quando penso na gente. Mas então, porque diabos eu só consigo pensar na gente?

Parei para pensar um pouco e me ocorreu um clichê desastroso. “As pequenas coisas são as que realmente importam na vida”. Sei, é horrível. O fim do mundo a menos de trinta minutos e nada épico me vem à mente. Queria, ao menos, morrer como alguém que disse algo realmente relevante. Mesmo que ninguém soubesse. Como você disse da última vez que nos vimos: além de egoísta, sou um idiota vaidoso. Que seja. Mas, sobre as pequenas coisas, talvez sejam mesmo importantes pelo aspecto quantitativo. Sabe, você pode ter uma ou duas aventuras marcantes, mas, no fim, quem te define mesmo é o cotidiano. E ele é feito de pequenas coisas. Pensando na gente, sem aventuras nem experiências radicais, só consigo me lembrar de algo como um período, um tempo. Um tempo bom que terminou seja lá por quê. Mas isso também não importa. Faltam 15 minutos e agora eu vejo como é difícil esse negócio de escrever sem roteiro. Quase uma hora e só me ocorrem poucas palavras triviais. Ao menos conclui que a trivialidade tem seu valor.

O que você pensaria disso tudo? Estou me perguntando isso agora e percebo que nunca te perguntei isso antes. Provavelmente você tinha razão em dizer que eu era um idiota. Provavelmente ainda sou. Entretanto não vou me desculpar. Não agora, quando estou tão perto de dizer uma coisa que nunca te disse, por ser... bom, um idiota.

Dez minutos depois do parágrafo anterior e estou aqui tomando coragem para te dizer isso. Mesmo sabendo que você não vai ler. Mesmo sabendo que isso é apenas um... eu não sei o que isso é. O tempo está acabando e as pessoas já fazem contagem regressiva na rua. Seja lá o que nos espera, queria dizer, ao menos dessa vez, que foi bom conversar contigo. Foi bom estar com você. Eu te a

Outro do lado contrário

Ficou parado diante do espelho. Navalha na mão, creme de barbear sobre a pia. A água corria pela torneira, monótona e hipnotizante.
Ergueu o braço, com o rosto já lavado. Pôs a lâmina na garganta. Parou e observou que no espelho, ao contrário dele, seu Outro era canhoto. Sorriu e parou o movimento de corte antes que ele começasse. Seu Outro o seguiu.
O que havia de errado, então? Poderiam mesmo as coisas do lado de cá serem tão inversas assim? A dor pode ser o seu oposto e tornar-se prazer? Sofrimento dilacerante pode ser satisfação calada? O espelho é uma porta para o mundo do inverso e, talvez, lá as coisas sejam melhores. Pode o choro ser riso, do outro lado do espelho?
Foi quando fez um pequeno corte sob o olho direito, e uma lágrima de sangue desceu pelo rosto. Embora sentisse dor, teve a impressão de que seu Outro estava sorrindo com o canto esquerdo da boca.

Eu não sei bem o que é isso. Sem querer fazer aquela historinha de "estou postando qualquer coisa", eu realmente não sei o que é isso. Ontem, antes de dormir (e ter um sonho bizarro), me veio essa imagem na cabeça (que não tem nada a ver com o sonho, mas está no mesmo clima de estranheza). Na verdade era ser mais sinistra e não ficou de acordo com o pensamento, mas serve. No fim acabei gostando.

Uma fábula política


Era um vez um povo que vivia numa terra boa.
Ambos, o povo e a terra, eram grandes. O povo, por ser grande, tinha uma enorme diversidade e a terra, por sua vez, era muito extensa e, por isso, abarcava os mais diversos climas. Era possível que em um extremo da terra o sol estivesse quente e forte, enquanto no outro, o frio caisse pesado e duro. Consequentemente, era uma terra potencialmente rica, com plantações das mais variadas, gado e minérios.
Toda essa riqueza pertencia a esse povo que lá vivia e cada um cuidava de seus próprios negócios. Se chovia e a colheita fosse boa, ótimo; se não, paciência. Como é característico, de todos os povos procurar razão para as coisas, eles começaram a pensar qual seria a razão de um dia chover e no outro não. Do gado ficar doente no seu campo e não no do vizinho. Foi quando surgiram essas perguntas que os deuses inauguraram sua chegada nessas terras. Estranhamente, hoje o povo pensar que eles sempre estiveram por aqui, embora saibam que em algum momento no passado as coisas fossem diferentes. De qualquer maneira os deuses vieram e falaram:
“Temos o poder sobre o céu e a terra. Podemos ajudar vocês caso rezem por nós. E quanto mais rezarem, mais poderemos ajudar.”
O pessoal ficou maluco, claro. Finalmente acharam uma forma de fazer as coisas terem algum sentido. Alguns até ficaram satisfeitos e aliviados por não precisarem lidar com a situação eles mesmos e contentavam-se em pagar o trabalho com rezas.
Assim as coisas foram se ajustando. As pessoas trabalhavam na terra, cuidavam de suas vidas enquanto os deuses diziam como as coisas seriam. Quando alguém queria algo mais específico, como por exemplo mais carne na mesa ou uma casa nova, rezava para um dos deuses e pedia por isso. De acordo com sua proximidade com o deus em questão, a pessoa era atendida ou não. Mas uma coisa era certa: as rezas.
Com o passar do tempo, e antes que o próprio povo desse conta, os deuses começaram as trazer leis e regras sobre como ele deveria agir, e começaram a governar não só a terra, mas a vida das pessoas. Alguns, mais espertos, notaram que, na verdade, ao controlar a terra, os deuses já controlavam as vidas de quem dela dependia. Mas esses ficaram quietos e escutaram resto da história.
O povo então coçou a cabeça e perguntou a eles:
“Por que essas leis? Agora vocês querem mandar na gente?”
Os deuses, em uníssono responderam:
“Não é bem assim. Entendam que, para que o povo funcione de forma coesa e seja forte, precisa de leis. Regras que façam todos iguais. Eis a democracia. Para vocês terem uma idéia, até nós, deuses, nos sujeitamos a essas regras! Vejam como elas são importantes!”
O povo parou, pensou. E como não entendeu muito bem, deixou de lado, pois até que a resposta talvez fizesse sentido. Se os próprios deuses se sujeitariam a isso, mau não podia fazer
Algum tempo depois, após ouvirem umas certas histórias a respeito das brigas entre os deuses (provavelmente coisa de ego: quem ganhava mais rezas ou quem concedia mais desejos ao povo), mesmo sem saber muito bem o que se passava, o povo foi até eles novamente e perguntou:
“Vem cá. Com essas histórias todas a respeito de vocês, o que andam fazendo.... não sei não... Além disso, rezamos pra caramba e muitas vezes vocês não cumprem o que prometeram. E Também nenhum deus está sendo punido como nós, o povo aqui da terra, quando infrigimos as tais leis que vocês trouxeram? Muito estranho isso...
Então os deuses confabularam entre si e responderam juntos:
“Bem, é que, como nós fazemos coisas muito importantes, precisamos que vocês rezem muito por nós. Porque são coisas realmente muito importantes. Tão importantes que nem explicaremos como funcionam, pois vocês não entenderiam. Sobre as punições, bem... é que dentre essas coisas secretas e muito importantes, há um monte de coisas sujas e feias. Algo como demônios que precisamos combater, entende? E para isso acabamos expostos a eles e suas sujeiras. Eventualmente nos contaminamos. Por estarmos submetidos a isso, precisamos de mais rezas ainda, para sermos fortes e resistirmos a eles. E, se acontecer de algum irmão cair em suas garras, ele não deveria ser punido por tombar em batalha, certo? Afinal, ele se sacrificou em nome do povo.”
O pessoal se entreolhou de novo e cochicharam. Coçaram a cabeça novamente e foram embora, dessa vez sem entender patavinas.
O tempo, claro, continuou passando e mais noticias chegaram aos ouvidos do povo a respeito das peripécias dos deuses para quem andavam rezando. Eram tantas que um belo dia alguém disse: “como os deuses têm tempo de fazer o que se propuseram, ou seja, organizar nossas terras, se estão o tempo todo brigando entre si, com esses tais demônios ou usufruindo de nossas rezas?”. O povo então disse “ih, é mesmo!” e foi até lá perguntar para eles.
“Deidades, explica aqui um negócio. Como é que vocês administram a terra enquanto um está preocupado em ouvir rezas, o outro ausente pra caçar demônos, o outro brigando com o irmão? Pelo que andamos vendo por ai, a terra anda uma verdadeira bagunça”.
Dessa vez, diferente das anteriores foi uma algazarra. Dedos apontados, papiros escandalosos, sangue e preces por todos os lados. Os deuses falavam todos juntos, mas dessa vez falavam coisas diferentes. Eles então fecharam as portas pro povo não ver o papelão. O povo esperou um bom tempo antes de bater na porta novamente. Ninguém respondeu. Bateu novamente, com mais vigor. Nada.
Ai começou uma bagunça generalizada, todo mundo batendo nas portas e gritando pelos deuses, exigindo uma explicação.
A porta, então, se abriu. E os deuses surgiram com ar aborrecido.
“E então, o que me dizem sobre isso, excelentíssmios? Qual a razão dessa zona toda?”
Um deles deu um passo à frente e disse com ar despreocupado:
“Não há zona alguma”
“Como não?”, disse o povo. “Está na cara de todos que quiserem ver!”
O Deus então deu outro passo à frente.
“E o que vocês, povo burro e fraco, podem fazer contra nós, deuses, que controlamos toda a terra?”
Ai o povo parou, coçou a cabeça, pensou. Ai deu de ombros e foi-se embora.

Já que agora eu só faço isso mesmo...

Sei que isso deve estar cansativo. Mas eu gosto desse desenho e eu prometo ser o último post dessa bateria.
Bom, como isso é sobre desenhos e não textos, sem mais delongas, lá vai: